quarta-feira, 28 de maio de 2014

Quando o trem partiu


A viagem naquela tarde prosseguiu normalmente até que bateram à porta da cabine da máquina.
-Abra Misael... – Era a voz do bilheteiro que apelava ao condutor – Pelo amor de Deus, abra essa porta!
Assim que a cabine foi aberta, o maquinista viu-se diante da seguinte cena: O bilheteiro rendido por dois mascarados que o aterrorizavam com uma pistola em cada têmpora.
-Pare o trem, homem! – Ordenou um dos mascarados, fazendo pontaria no peito de Misael – Se fizer tudo certo, ninguém morre hoje.
Como o condutor vacilasse, o bandido tratou de explicar:
-Temos quase uma dúzia de homens aqui dentro. Todos os vagões estão tomados, todos os passageiros dominados. Não vai querer nenhuma morte em sua consciência, não é mesmo?
Misael freou o trem e ficou aguardando as instruções dos criminosos. A partir deste ponto, aquele que mirava a cabeça do bilheteiro passou a dar as cartas.
-Sejamos breves: Sabemos que um de seus passageiros carrega uma mala repleta de barras de ouro do tesouro nacional. O que ignoramos é a sua identidade. No entanto, temos a informação de que você, senhor maquinista, a conhece.
-Não faço ideia do que estão... – Mas Misael foi interrompido após receber uma forte coronhada, que o levou de encontro ao chão.
-Sem jogos, que a informação e o informante são quentes – O agressor grunhiu - Bem, temos duas opções para por um fim nisso: Ou você nos conta quem é o homem, e isso seria o jeito mais simples de resolver a questão, ou nós matamos você e o seu amiguinho aqui – apontou o bilheteiro – e revistamos todas as bagagens da composição, apagando quantos passageiros forem necessários para encontrar o que procuramos.
-E vocês não querem perder tempo na busca porque estamos próximos da estação seguinte e os federais não demorariam a vir assim que notassem a demora – Concluiu o maquinista, ainda zonzo pela pancada recebida.
-Exato – O bandido coçou o rosto sob a máscara – E então, o que vai ser?
-O passageiro está na cabine dezoito – revelou Misael pesaroso - Emanuel González. Este é o homem que vocês querem.
-Sábia decisão, muchacho! – O criminoso gargalhou.
O maquinista e o bilheteiro foram, então, amarrados de costas um para o outro. Assim que os dois mascarados se afastaram da cabine, o bilheteiro murmurou:
-Então essa é a saída que encontraram para evitar os assaltos, é? Os agentes do tesouro vão querer o teu couro por essa, Misael.
-Tenho esposa e um menino adoentado em casa, filho – O condutor suspirou – Morrer é um luxo o qual não posso usufruir. Danem-se os agentes e o maldito tesouro!
-Esses bandidos de uma figa se portaram como passageiros a viagem inteira! – Queixou-se o bilheteiro, pensativo – Decerto que na hora de entrar apresentaram nomes falsos.
-É provável – Misael concordou.
-Será o bando dos irmãos Gun? Aqueles dois que nos amarraram tinham até as vozes parecidas – Refletiu o bilheteiro, ao que o amigo de trabalho pareceu não dar ouvidos.
Repentinamente, uma série de tiros ecoou. Por longos minutos o mundo pareceu emudecer. Logo, um dos passageiros chegava à cabine. Enquanto soltava os dois funcionários do trem, relatou:
-Os criminosos crivaram de balas um dos passageiros da cabine dezoito e levaram sua bagagem.
-Ele reagiu? – o bilheteiro questionou.
-Pareceu que não – Respondeu o passageiro, ainda desatando as cordas.
-Meu Deus! Mataram o homem em vão! – Exclamou o maquinista.
-Não sei se foi bem assim – agora o homem terminava com as cordas – Eles o agradeceram por uma “dica”.
-Então o próprio agente era o delator! – Concluiu o bilheteiro – Mas qual era o objetivo daquela cena toda aqui na cabine?
-Só poderia se tratar de um plano para inocentar o homem da “dica” – Deduziu Misael - Mas na última hora os criminosos parecem ter optado por eliminá-lo, tendo, assim, um elemento a menos com quem dividir o pacote – voltou-se para o seu libertador – E os bandidos já se foram?
-Sim. Homens a cavalo os esperavam lá fora.
O maquinista olhou pela janela da cabine e pôde ver o trotar dos animais erguendo poeirão lá longe no desértico cenário cujo fim os olhos perdiam.

Quando o trem partiu, o maquinista se permitiu sorrir aliviado: O agente assassinado passara por delator e em breve Misael Júnior teria os remédios de que tão precisava.

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