quinta-feira, 21 de março de 2013

Aos quatro ventos...


Aos quatro ventos...                                                                                          

Vão! Vão e digam! Aos quatro ventos! Que o sonho acabou, que a poesia morreu, que a fonte da arte secou, que do mundo o homem se esqueceu. 
Vão e digam que a voz da razão se calou, pois todos acreditam estar com ela, que no lugar dos bons e velhos heróis surgiram ídolos tão fracos quanto aquilo que representam. Que tudo é conspiração e jogo de interesses, que votos, promessas e união já não são mais sagrados, que o mundo já não é mais de todos nem para todos!
Vão e digam que o bom gosto já não existe, que as lições que deveríamos aprender com os nossos antepassados são motivos de chacota, que amizade e sinceridade são valores idiotas, que um filho após parido não é a nossa maior responsabilidade de amor, que os livros, quando não dizem mentiras, nada dizem, que matar um irmão sem justificativas é justificável e tem perdão, que as leis que nos regem já não são o suficiente, que a “vida em sociedade” tem servido como porta de regressão para os nossos instintos mais primitivos, que mergulhar em um universo de fantasias é mais seguro que viver a própria realidade, que a anarquia talvez venha á ser a única chance de redenção de um mundo aturdido!
Vão e digam que a inspiração deu lugar ao caos e que a força da imaginação ajoelhou-se perante o vazio e falta de objetivo e objetividade da mente humana, que o gosto pelas novidades em algum momento se perdeu, que as críticas são dirigidas aos que não se deve ser dada atenção alguma, que os sentimentos deixaram de ser características do ser humano, que a escuridão já é mais confortável e convidativa que a luz, que a solidão, decadência e depressão são um novo modo de vida, que não se precisa mais de guerras para agredir e destruir!
Vão e digam que a felicidade virou utopia, que a nossa salvação é ignorada, apedrejada e crucificada diariamente, que o ser humano, que tanto se esforçou no caminho da ciência, tecnologia, iluminação e conhecimento, é agora vergonhosamente controlado, que as nossas crianças já não tem mais infância, que a inocência é uma recordação tão distante, que a vontade de viver está presente em tão poucos, sufocada pelas obrigações de um mundo frio e cruel que nos foi dado de presente e nos esforçamos tanto em destruir!
Vão e digam que todos só sabem reclamar, que tudo agora tem fronteiras, que o futuro é só insegurança e medo, que não se precisa mais fechar os olhos para se viver um pesadelo, que a mãe-natureza, que bondosamente nos servia, por nós é injustamente e traiçoeiramente massacrada, que a mentira é tanta que não pode mais ser desmascarada, que o ódio toma á todos, que não há mais motivos para se pedir perdão, que ninguém mais pensa antes de fazer, que suicídio saiu de moda e que a válvula de escape da vez é sair matando!
Vão e digam que os nossos gênios lavaram suas mãos, dando as costas aos problemas da casa e dedicaram-se á vastidão do universo, que o sexo agora é tudo e que a perversão não tem mais limites, que já não há mais respostas para tantas questões, que a família e amigos foram substituídos por uma “rede”, que nada mais é dosado, que a compaixão foi sepultada juntamente com outros valores essenciais, que a legalidade não demora á figurar entre os termos ilegais, que todos tem direito á tudo, que a única certeza presente é o fim do mundo! (?) 

terça-feira, 19 de março de 2013

Expresso solidão






Expresso solidão.                                                                           
“O trem está deixando a estação
O seu destino: A solidão!
Nessa viagem eu sigo sozinho
Estrada de ferro é como a cruz e o espinho”

Expresso solidão, Cachorro Velho Blues Band.


Na plataforma, sozinho, eu esperava a chegada do trem que iria me levar rumo a um lugar que minha memória, no momento, não me permitia lembrar. Destino ignorado. Sabia, no entanto, que se tratava de um lugar estranho e distante, mas, até ai, praticamente todos os lugares pelos quais nunca passamos ou nos quais nunca estivemos assim nos parecem.
Quando, enfim, o trem despontou ao longe, procurei, esperançoso, por mais passageiros. Mas a estação estava vazia. Nem passageiros, nem funcionários, nem cãozinho com o rabo entre as pernas. Nada. Só eu comigo mesmo.
Assim que a máquina parou junto á plataforma, surpreendi-me ao constatar que havia somente e apenas um vagão. Mais do que isso, era, aquele, um vagão tão pequeno que não poderia comportar, confortavelmente, mais do que uma pessoa. Não. Não poderia ser aquele o meu trem.
E fiquei ali, boquiaberto, esperando pela saída dos passageiros, do maquinista, o aparecimento de mais passageiros para embarque ou o chamado de comparecimento à plataforma soando das caixas de som espalhadas pela estação. Qualquer movimentação que fosse seria de grande valia. Mas, uma vez mais, nada aconteceu.
-Veio rápido, não? O seu trem – Um velho meio que se materializou ao meu lado. Vestia-se socialmente e tinha modos muito polidos. Talvez por isso exalasse um ar confiável.
-Eu esperava sozinho – Lembrei – Nunca a passagem do tempo é rápida quando se está só.
-Engana-se – O velho coçava um antiquado bigode grisalho – Você se acostuma com a solidão. E ela com você. No mais, quem quer que o tempo passe rápido demais?
-Quem é o senhor?
-Sou o administrador desta estação. E como vê, a máquina está apenas aguardando você para partir.
-E não vai mais embarcar ninguém?
-Não. De forma alguma – revelou - Essa viagem é de um passageiro só.
-Qual o trajeto desta viagem?
-O caminho, independente de quem ou como seja o passageiro, é praticamente sempre o mesmo. O que varia é a duração da viagem. Alguns chegam ao fim mais cedo, outros mais tarde.
-E quanto ao maquinista? Está ai dentro?
-Não precisa de maquinista, meu caro – O velho riu-se – A máquina segue sozinha. O destino dos viajantes desta linha é, a exemplo do caminho, sempre o mesmo. Mas como é? – Consultou um antigo relógio de bolso – Vai embarcar ou não?
-E quando é a viagem de volta?
-Esta é uma viagem da qual dificilmente se consegue voltar...
-Então não vou. Obrigado. Esperarei pelo próximo trem.
-Você é quem sabe. O expresso solidão sempre estará de portas abertas, encostando-se a esta plataforma assim que uma viagem se fizer necessária.
A máquina apitou e partiu.
O velho administrador desapareceu.
Num piscar de olhos, a estação se encheu de gente, de vida, e eu já não estava mais só.